Nacional-desenvolvimentismo

A chave para o Brasil moderno

A cidade é uma gigantesca fábrica de homens modernos. Com base nessa certeza, o projeto nacional-
-desenvolvimentista formulou — no Brasil e em quase toda América Latina —, durante as décadas de 1950 e 1960, uma grande questão e avivou uma grande esperança: como o Estado pode construir uma sociedade cultural e politicamente moderna?

A chave para a construção desse novo Brasil chamava-se “desenvolvimentismo”, e usar essa palavra significava dizer pelo menos três coisas sobre o nosso país. Primeiro, que nossa sociedade, defasada e dependente dos países mais avançados, dividia-se em duas: uma parte atrasada e tradicional e outra já moderna, em franco desenvolvimento. Segundo, que essa dualidade se definia em termos de polos: tradicional versus moderno, centro versus periferia. Finalmente, que a solução para essa dualidade estava na industrialização e na urbanização.

Diante desse cenário, “nacionalismo” significava principalmente a constatação de que o desenvolvimento se realizaria nos quadros nacionais, num mercado nacional, e envolvia, por consequência, a afirmação de um Estado que definisse as fronteiras e as instituições desse mercado. Caberia à industrialização a tarefa de superar a dualidade básica da economia brasileira; ao Estado, competia liderar esse processo, articulando grupos sociais conflitantes; ao nacionalismo, cabia dar-lhe um sentido.

O nacional-

-desenvolvimentismo

O projeto nacional-desenvolvimentista carregava consigo a grande esperança de extensão ampla dos benefícios econômicos, políticos e sociais da modernidade a toda a sociedade brasileira. A dualidade seria superada pela industrialização, e esta seria consequência do desenvolvimento, isto é, da acumulação de capital e da incorporação de progresso técnico, processo que redundaria no aumento da renda por habitante ou, em outras palavras, na elevação sustentada dos padrões de vida da população. Por causa disso, o termo “desenvolvimento” era entendido como industrialização; mas era bem mais do que isso: significava o processo pelo qual o Brasil realizaria sua revolução em direção à modernidade.

A trajetória do projeto nacional-desenvolvimentista esteve, no início, estreitamente vinculada à Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), fundada pelo economista argentino Raúl Prebisch. No Brasil, esse projeto foi profundamente marcado por uma palavra-chave — o conceito de “subdesenvolvimento”, formulado por Celso Furtado e altamente politizado pela conjuntura extremada do período que antecedeu o golpe militar de 1964.

O termo “subdesenvolvimento” qualifica um momento específico de formação do capitalismo, próprio de sociedades como a brasileira, cuja economia foi historicamente dependente do sistema colonial e que, por isso mesmo, é forçada a suportar consequências que se autossustentam, a despeito do avanço da industrialização: a estrutura agrária arcaica, as relações entre a monocultura exportadora e o capitalismo internacional, a dualidade da estrutura produtiva nacional, a profunda desigualdade que norteava as relações de trabalho.

No argumento de Furtado, para ultrapassar essa situação de subdesenvolvimento era necessário um conjunto de reformas básicas a ser implantadas pelo Estado —agrária, fiscal, bancária, urbana, tributária, administrativa e universitária.

A defesa dessas reformas estruturais tornou-se uma das principais bandeiras de luta para as forças nacionalistas e de esquerda no país e assumiu sua forma política definitiva — as “Reformas de Base” — alguns anos depois, a partir de 1962, durante o governo de João Goulart.

A palavra “subdesenvolvimento”, por sua vez, entrou para o vocabulário da população, que passou a utilizá-la difusa e diversamente, porém sempre mantendo a angulação definida por Furtado: era preciso enfatizar onde ocorria  o subdesenvolvimento, para melhor enfrentá-lo.

Governo Vargas

A defesa da intervenção estatal

O projeto para o país do segundo governo de Getúlio Vargas foi pautado pelo ideário do nacional-desenvolvimentismo, principalmente a defesa da intervenção do Estado em áreas consideradas de interesse nacional. As indústrias e aquelas atividades vinculadas à diversificação do mercado interno receberam atenção especial. Para executar seus programas de industrialização, Getúlio concentrou-os em duas instâncias: o Ministério da Fazenda e a Assessoria Econômica — esta última, uma equipe à parte organizada pelo advogado e economista Rômulo de Almeida, a pedido do presidente.

Diferente da composição político-partidária que marcou a escolha de seu Ministério, a Assessoria Econômica reuniu nomes como o economista Inácio Rangel e o sociólogo Jesus Soares Pereira. Em comum, tinham o compromisso com uma política de desenvolvimento nacional independente, pelo menos nos setores de infraestrutura. Getúlio Vargas situou a assessoria ao alcance da mão: no primeiro piso do palácio do Catete, em cuja sala varavam a noite trabalhando, sendo por isso chamados de “boêmios cívicos” pelo presidente. Dessas noitadas, derivaram planos-síntese do ideário nacional-desenvolvimentista varguista, como a criação da Petrobrás e da Eletrobrás, e todos acompanhados por uma reforma fiscal que possibilitasse a alocação de fundos para sua execução.

Sobrecarregada, a equipe sugeriu a criação de dois grupos vinculados ao Ministério da Fazenda: a Comissão de Desenvolvimento Industrial (CDI) e a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU) — que elaborou projetos para a industrialização e infraestrutura energética.

A concessão de empréstimos pelo Banco Mundial e pelo Eximbank, através do CMBEU, garantiu ao ministro Láfer U$ 250 milhões para os projetos formulados, mas era necessário o dobro desse valor. A solução? Encaminhar ao Congresso a aprovação de um Fundo de Reaparelhamento Econômico a ser constituído por meio de um aumento em 15% no imposto de renda. Para a oposição foi um prato cheio. “Em vez de taxar os tubarões, o governo vai sobretaxar os humildes com esse projeto ignóbil”, afirmava, por exemplo, o udenista Aliomar Baleeiro. O aumento desagradou até mesmo alguns correligionários, como o deputado pelo PTB da Bahia, Joel Figueiredo, que, desprezando seu vínculo com a base governista, afirmou para quem quisesse ouvir: “Imoral! Trata-se de uma solução imoral!”. 

Executar o país projetado por Getúlio Vargas envolvia custos políticos consideráveis. Suas medidas entravam em choque com empresas estrangeiras, com interesses locais, industriais e financeiros — associados ou em vias de se associar ao capital internacional — e com os poderosos proprietários de terras que permaneciam politicamente ativos em suas regiões. Todos esses grupos combatiam um Estado regulador do mercado, concentrador de riquezas e favorável à adoção de políticas de contenção do capital estrangeiro em áreas consideradas estratégicas para o desenvolvimento nacional.

Governo JK

O Plano de Metas

Foi no governo de Juscelino Kubitschek que o projeto nacional-desenvolvimentista se consagrou definitivamente no cenário político brasileiro. Com a construção da nova capital e com seu programa de governo, JK aliou a experiência bem-sucedida de um governo democrático com a crença inabalável no projeto de um Brasil possível.

Seu programa de governo — o Plano de Metas ou Programa de Metas — definiu 31 objetivos, com prioridade para quatro pontos principais: transporte (especialmente o rodoviário), incluindo incentivo à indústria automobilística; energia; indústria pesada; e alimentos.

Na época de seu lançamento, em fevereiro de 1956, o Plano de Metas foi o primeiro e o mais audacioso programa de planejamento estatal da modernização econômica do Brasil. Além da construção de uma nova capital do país, JK criou 20 mil quilômetros de novas rodovias e inaugurou duas novas hidrelétricas (Três Marias e Furnas) durante seu mandato.

JK concebia no Estado a pulsão construtiva do desenvolvimento e enxergava a cidade como sua picareta modernizadora. Brasília, a nova capital, era a meta-síntese disso, unindo a tradição à modernidade, a afirmação da nacionalidade ao desejo de integração do país a partir do centro e daí para o mundo.

Para além das obras, o presidente também incentivou a produção de conhecimento técnico para impulsionar desenvolvimento nacional. O Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb), criado em 1955 e ligado ao MEC, foi definido pelo presidente como o “laboratório de pesquisas da realidade brasileira”. Nele, intelectuais como Álvaro Vieira Pinto e Helio Jaguaribe estavam comprometidos com a reflexão sobre a realidade do país e com o desenvolvimento autônomo do Brasil dentro do capitalismo. Suas discussões eram animadas por ideias da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) e do terceiro-mundismo: centro e periferia, autonomia, autenticidade nacional. Mas nem só de produção do conhecimento vivia o Iseb. Seus membros atuavam diretamente na implementação dos projetos nacional-desenvolvimentistas.

Governo Jango

As Reformas de Base

A defesa de reformas estruturais tornou-se uma das principais bandeiras de luta do governo de João Goulart e das forças nacionalistas e de esquerda, assumindo sua forma política definitiva nas Reformas de Base. O campo das esquerdas, no Brasil, era largo, ativo e plural. Nele cabiam comunistas, socialistas, nacionalistas, católicos e trabalhistas, e também se acomodavam partidos, associações de estudantes e de militares de baixa patente, sindicatos e federações operárias ou camponesas, organizações e grupos revolucionários. A despeito da própria heterogeneidade e da conhecida dificuldade para desenvolver um programa de comum acordo, o improvável aconteceu: no final do ano de 1961, as esquerdas formaram uma coalizão sem precedentes voltada para a aprovação e execução imediata do projeto das Reformas de Base — e começando pela reforma agrária.

Esse programa, que atingia a base de sustentação do poder na República, tinha viés distributivo de renda e vocação socialmente inclusiva. A reforma agrária, por exemplo, avançava sobre o latifúndio e impactava a produção e a renda do campo. A reforma urbana interferia no crescimento desordenado das cidades, planejava o acesso à periferia e combatia a especulação imobiliária. A reforma bancária previa uma nova estrutura financeira sob controle do Estado. A reforma eleitoral poderia alterar definitivamente o equilíbrio político, com a concessão do direito de voto ao analfabeto — cerca de 60% da população adulta — e aos soldados, e com a legalização do Partido Comunista. A reforma do estatuto do capital estrangeiro regulava a remessa de lucros para o exterior e estatizava o setor industrial estratégico. A reforma universitária acabava com a cátedra e reorientava o eixo do ensino e da pesquisa para o atendimento das necessidades nacionais.

O primeiro sinal inequívoco de que o governo estava decidido a pagar para ver e partiria para o embate com o Congresso Nacional veio numa sexta-feira 13: o comício da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, cuidadosamente preparado inclusive na simbologia — o palanque montado na praça havia sido utilizado por Vargas nas cerimônias do Estado Novo —, para escancarar a união das esquerdas e o avanço dos trabalhadores ao lado do governo. O encontro mobilizou uma multidão de pelo menos 150 mil pessoas e durou quase nove horas, com exatos 13 discursos. Ao lado da mulher, Maria Teresa — jovem e um tanto assustada —, Jango foi o último a falar. Discursou de improviso e acertou no tom. Emocionado, declarou que a hora das reformas havia chegado, bastava de conciliação.