Bronca Social Manguebeat

Em junho de 1991, os músicos Francisco de Assis França e Fred Montenegro, que se tornaram mais conhecidos como Chico Science e Fred 04, apresentaram em Olinda (PE), um novo ritmo: “o mangue”, nascido da vontade de “desobstruir as artérias” e buscar o que ainda restava de “fertilidade nas veias do Recife”, cidade onde a população pobre enfrentava enormes dificuldades. No release de imprensa que se transmutou em manifesto de fundação, os músicos – “Caranguejos com cérebro” – declararam-se em emergência contra a estagnação, a miséria e o caos urbano da cidade.

Bronca Social / Manguebeat A pegada

Inspirado pelo romance “Homens e Caranguejos”, do escritor pernambucano Josué de Castro, o manguebeat fez do mangue seu lugar referencial. As zonas úmidas, alagadas, quase pantanosas, fronteiriças entre o mar e a terra firme, constituem um dos ecossistemas mais ricos do planeta. Nelas vivem os “homens-caranguejo”, impregnados de lama, que passam a erguer suas antenas para denunciar a realidade social que os asfixia. A saída está em sorver a energia criadora do mangue e injetá-la no Recife exaurido pela pobreza e pela estagnação. Só assim será possível arejar a vida e a cultura da cidade. O caranguejo, portador da diversidade biológica do mangue, e a antena parabólica, que conecta o local e o universal, são os símbolos do movimento.

Ao seu nome original de 1991, mangue, é agregado mais tarde o complemento bit, a menor unidade binária de informação, expressando a ideia de seus criadores de surfar uma onda tecnológica, repleta de antenas e ondas, quando a Internet ainda engatinhava. No entanto, à revelia deles, acabou prevalecendo a terminação beat – batida, em inglês. E com isso a expressão manguebeat passou a designar tanto o movimento cultural como o estilo musical.

Bronca Social / Manguebeat O Som

Enquanto gênero, a principal característica do manguebeat é sua diversidade sonora, simbolizada pela parabólica que está o tempo todo captando as mais diferentes referências. As duas principais bandas do movimento, Mundo Livre S.A, de Fred 04, e Nação Zumbi, capitaneada por Chico Science, surgiram com estilos muito diferentes. A música manguebeat mistura tradições regionais, como o maracatu, o forró e o coco, com influências nacionais e internacionais, como o samba, o hip-hop, o rock e o punk-rock. Nas palavras de Chico Science, os caranguejos antenados tinham ouvidos abertos para todos os sons do mundo.

Se a mensagem do manguebeat não é tão direta como nas letras do rap, ela é forte e muito metafórica. Mimetizando a geografia recifense, tenta construir pontes que ultrapassem os fossos sociais da cidade, ligando mundos opostos, como o mangue e o rico bairro de Candeia, para ampliar sua denúncia: o homem que sai do mangue torna-se aratu, um crustáceo que não tem casulo para se esconder e vira presa fácil dos predadores. Como na letra de “Da Lama ao Caos”, de Chico Science.

As letras do manguebeat, coerentes com a intenção do movimento de conscientizar os “homens-caranguejos” e transformá-los em “caranguejos com cérebro”, frequentemente citam exemplos de homens que se revoltaram com a injustiças sociais, como Emiliano Zapata e Augusto Sandino, Zumbi e os cangaceiros.