1932 - 1932

A Revolução partida ao meio

São Paulo em armas

Em 9 de julho de 1932, São Paulo empunhou suas armas contra o Governo Provisório de Getúlio Vargas, dando início a três meses de guerra civil. O levante, que ficou conhecido como Revolução Constitucionalista ou Revolução de 1932, foi o maior conflito militar do século 20 no Brasil.

A Revolução de 1930 partida ao meio
Longe de unir e pacificar o país, a Revolução de 1930 deu início a um processo de instabilidade política que teria como mais grave consequência, dois anos depois, a guerra civil desencadeada por São Paulo. A primeira divisão ocorreu dentro do próprio bloco de apoio ao Governo Provisório. Nascida em oposição ao governo do presidente Washington Luís, a Aliança Liberal conseguira a façanha de unir provisoriamente dois grupos com objetivos bem distintos, até mesmo adversários entre si.

As oligarquias dissidentes que apoiaram a Revolução de 1930 pretendiam restabelecer as regras de alternância política rompidas por Washington Luís, mas com o mínimo de mudanças na ordem constituída. Já os tenentes, que buscavam o poder desde 1922 — inclusive pelas armas —, exigiam transformações urgentes e profundas.

A ala tenentista pretendia prolongar o Governo Provisório e criar organizações revolucionárias em contraposição às antigas estruturas partidárias, a exemplo do Clube 3 de Outubro, assim denominado em homenagem à data do início da Revolução de 1930. Integrado por nomes como Osvaldo Aranha, Góis Monteiro e Pedro Ernesto, o Clube exerceu grande influência sobre o Governo Provisório e conseguiu a nomeação de diversos tenentes como interventores federais nos estados.

Em contraposição, as oligarquias, que se sentiram excluídas ou preteridas do poder, reagiram com maior vigor à ação dos tenentes. Em manifesto lançado no dia 7 de abril de 1931, o Partido Democrático (PD), que havia apoiado a Revolução de 1930, rompeu com o interventor designado por Getúlio Vargas, o pernambucano João Alberto Lins de Barros. O manifesto denunciava a “preterição sistemática dos filhos de São Paulo” na divisão de cargos políticos e administrativos do estado.

No final daquele mês, integrantes do PD participaram de uma tentativa de golpe contra o interventor, liderada por oficiais da Força Pública (atual Polícia Militar do Estado de São Paulo). Com o fracasso do movimento, organizaram uma nova forma de combate, dessa vez centrada na luta pela nomeação de um interventor “civil e paulista” e pela convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. Numa reviravolta histórica, o PD aproximou-se do Partido Republicano Paulista (PRP), seu principal adversário na política local.

Em fevereiro de 1932, os dois partidos criaram a chamada Frente Única Paulista (FUP), que pedia o fim do Governo Provisório, a promulgação de uma nova Constituição e autonomia administrativa para o estado de São Paulo. A FUP foi responsável por articular militares e entidades de classe empresariais no movimento armado que eclodiria em julho daquele ano.

A instabilidade política causada pela insatisfação das oligarquias e pela radicalização dos tenentes veio somar-se à violenta crise econômica mundial decorrente da quebra da bolsa de Nova York, em 1929.

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A insatisfação paulista

São Paulo em Armas

Com o triunfo da Revolução de 1930, Getúlio Vargas nomeou interventores federais em todos os estados, exceto Minas Gerais, onde foi mantido o presidente estadual Olegário Maciel. Os outros estados, com exceção de Rio Grande do Sul e Pernambuco — comandados por líderes políticos locais —, passaram a ser governados pelos tenentes.

Para São Paulo, Vargas ignorou as pretensões do Partido Democrático e nomeou o militar pernambucano João Alberto Lins de Barros. A nomeação despertou nos paulistas o sentimento de que seu estado estava sendo tratado como “terra conquistada”, como um inimigo que acabara de ser derrotado.

Além de ser um dos articuladores do movimento armado que derrubara Washington Luís, João Alberto desempenhou importante papel na Coluna Prestes, tendo sido comandante de um dos quatro destacamentos do exército rebelde. Com a instalação do Governo Provisório, foi inicialmente nomeado delegado militar da revolução.

Em seguida, no cargo de interventor federal em São Paulo, João Alberto adotou medidas polêmicas, como a autorização para o funcionamento do Partido Comunista Brasileiro e a ameaça de confisco das fábricas que não acatassem as medidas sociais decretadas.

A atuação de João Alberto, membro destacado do Clube 3 de Outubro, abriu grave crise entre o Governo Provisório e as classes dirigentes de São Paulo. Em meados de 1931, o próprio Getúlio convenceu-se de que a permanência do interventor punha em risco a estabilidade do regime. João Alberto deixou o cargo em 13 de julho de 1931, apenas oito meses após assumi-lo, mas nem isso pacificou os ânimos.

Plínio Barreto, que era fiel ao Governo Provisório mas reunia três virtudes caras aos rebeldes — era paulista, civil e constitucionalista —, foi cogitado para o posto de interventor, por indicação do próprio João Alberto, mas desistiu. Também paulista e civil, mas sem os apoios do PD e do PRP, Laudo Ferreira de Camargo tomou posse, mas renunciou em novembro, sendo sucedido por Manuel Rabelo, que não contava com o apoio dos paulistas, por ser militar e ligado aos tenentes.

Na tentativa de contornar a crise, em março de 1932 Getúlio nomeou para o cargo o embaixador Pedro de Toledo — civil e paulista, como exigiam os rebeldes, mas não alinhado com os elementos que hostilizavam a Revolução. Toledo manteve intensas negociações políticas tentando organizar seu secretariado com nomes do Partido Republicano Paulista e do Partido Democrático, com o aval de Getúlio. Em maio, no entanto, cedendo a fortes pressões, o interventor reformulou o secretariado, nomeando elementos ligados à rebelde Frente Única Paulista.

Em julho, quando o movimento armado finalmente irrompeu, Pedro de Toledo aceitou o convite dos revoltosos para assumir a chefia civil do estado, sendo declarado governador de São Paulo. Em telegrama enviado a Getúlio, o ex-interventor declarou: “Esgotados os meios que ao meu alcance estiveram para evitar o movimento que acaba de se verificar na guarnição desta Região ao qual aderiu o povo paulista, não me foi possível caminhar ao revés dos sentimentos do meu povo”.

Em seu diário, no dia 12 de julho, Getúlio registrou a irritação diante da traição de todo o governo paulista, referindo-se a Toledo como “a velha múmia que exumei do esquecimento”.

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Todos por São Paulo

São Paulo em Armas

A forte oposição ao Governo Provisório era encabeçada pelos fazendeiros paulistas, que perderam poder após a Revolução de 1930. Mas o movimento logo ganhou a adesão também de estudantes universitários, intelectuais, comerciários e profissionais liberais, e um dos motivos dessa grande participação foi a campanha pela revolução difundida em massa por jornais e emissoras de rádio.

Além da instabilidade política e do papel dos meios de comunicação, outro fator contribuiu para a ampla mobilização popular. Pressionado pela crise econômica mundial e pela queda do preço do café no mercado internacional, o Governo Provisório manteve a política de valorização do produto, comprando e retendo estoques e reescalonando as dívidas dos cafeicultores. Ao mesmo tempo, porém, proibiu a abertura de novas áreas de plantio, provocando um forte êxodo rural, o que agravou os problemas sociais nos grandes centros urbanos.

Durante o conflito, São Paulo viveu um verdadeiro esforço de guerra. Pegaram em armas intelectuais, industriais, estudantes e vários outros segmentos das camadas médias, além dos políticos ligados à República Velha.

As indústrias se mobilizaram para atender às necessidades de armamentos, enquanto a população se unia na campanha “Ouro para o Bem de São Paulo”, com o objetivo de cobrir os custos da revolta. Os ricos doaram joias; os pobres, as alianças de casamento; os advogados e médicos, seus anéis.

Com o fim da revolta, a sobra do ouro arrecadado foi doada à Irmandade Santa Casa de Misericórdia, que ergueu o edifício de salas comerciais Ouro para o Bem de São Paulo, no centro da capital paulista. O edifício, que serve até hoje como fonte de renda para a Santa Casa, homenageia um dos episódios mais marcantes da história do estado.

1932 - 1932

A guerra

São Paulo em armas

Os confrontos nas ruas entre estudantes constitucionalistas e grupos ligados aos tenentes eram frequentes. Até que, em 23 de maio de 1932, um desses confrontos resultou na morte de cinco estudantes, assassinados a tiros no centro de São Paulo. Foi o estopim da guerra.  

A morte dos jovens levou à criação de um movimento, a princípio secreto, chamado MMDC, em referência às iniciais dos nomes das vítimas: Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo. O quinto estudante baleado naquela noite, Orlando de Oliveira Alvarenga, morreria meses depois em decorrência dos ferimentos. Em 10 de agosto, já em plena guerra, o MMDC foi oficializado pelo governo do estado, sendo sua direção entregue a um colegiado presidido pelo secretário de Justiça, Valdemar Martins Ferreira.

O levante foi deflagrado em 9 de julho de 1932. Com a ajuda do rádio, principal meio de comunicação de massa, o movimento logo ganhou forte apoio popular. Tropas da Força Pública e das guarnições federais que, estacionadas em São Paulo, aderiram à revolta, ocuparam imediatamente os pontos estratégicos da capital, apoiadas pela população civil.

No dia 12, quando o general Bertoldo Klinger chegou a São Paulo para assumir o comando do exército constitucionalista, os rebeldes já controlavam todo o estado e ainda posições fronteiriças em Minas Gerais, Paraná e Rio de Janeiro.

A expectativa era que Minas Gerais e Rio Grande do Sul apoiassem a revolta. São Paulo contava ainda com a adesão de antigos apoiadores da Revolução de 1930, como os gaúchos Borges de Medeiros, Raul Pilla, Batista Luzardo e João Neves da Fontoura, que formaram a Frente Única Rio-Grandense. Em Minas Gerais, o apoio veio do ex-presidente Artur Bernardes. Líderes constitucionalistas do sul de Mato Grosso proclamaram independência e formaram o estado independente de Maracaju, para cerrar fileiras com São Paulo. Estima-se que 60 mil voluntários tenham integrado o exército constitucionalista paulista.

Informado do levante na noite de 9 de julho, Getúlio designou o general Góis Monteiro para o comando das operações contra os revoltosos. No mesmo dia, o interventor do Governo Provisório no Rio Grande do Sul, Flores da Cunha, renunciou ao cargo, sinalizando que lutaria ao lado dos paulistas. No dia seguinte, porém, o líder gaúcho voltou atrás e declarou o apoio da Brigada Militar do estado às forças federais.

O segundo duro golpe contra os revoltosos veio de Minas Gerais, que decidiu apoiar o Governo Provisório, após uma hesitação inicial do interventor no estado, Olegário Maciel. O recuo de Minas Gerais e Rio Grande do Sul foi determinante para a derrota paulista.

O fim da revolta deu início a um conflito de versões que persiste até os dias de hoje. Para o Governo Provisório, além de se tratar de uma mera quartelada de oligarquias insatisfeitas, o movimento era desnecessário, pois Getúlio Vargas já havia marcado para o ano seguinte as eleições para a Assembleia Constituinte. Para os paulistas, no entanto, a Revolução Constitucionalista de 1932 foi um levante popular, que, mesmo derrotado, revelou-se determinante para a redemocratização do país.

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Separatistas e constitucionalistas

São Paulo em Armas

A luta pela Constituinte
Ao mesmo tempo em que os principais líderes da revolta de São Paulo buscavam conter o avanço do tenentismo, a classe média paulista — sobretudo os estudantes — se mobilizava pela convocação da Assembleia Constituinte. Enquanto isso, os próprios aliados de Getúlio Vargas no Rio Grande do Sul também pressionavam o Governo Provisório pela volta ao regime legal.

Embora não se opusesse à convocação da Assembleia Constituinte, Getúlio aproximava-se cada vez mais dos tenentes, que defendiam o oposto: a manutenção do regime de exceção, para o aprofundamento das reformas iniciadas com a Revolução de 1930.

Em 4 de março, ao receber uma delegação do Clube 3 de outubro, o presidente fez um discurso com fortes críticas aos constitucionalistas. Segundo ele, o regresso ao regime constitucional não poderia ser “uma volta ao passado, sob a batuta das carpideiras da situação deposta, que exigem hoje, invocando o princípio da autonomia, um registro de nascimento a cada interventor local”.

Em 14 de maio de 1932, cada vez mais pressionado pela oposição, Getúlio assinou decreto marcando para 3 de maio de 1933 as eleições para a Assembleia Nacional Constituinte. Esse recuo, porém, não estancou a disposição da Frente Única Paulista e dos paulistas em geral. São Paulo tinha pressa.

Separatismo — a República de São Paulo
“Após a vitória de São Paulo, na campanha ora empenhada, se faz mister que seus dirigentes não se deixem embalar pelas ideias sentimentais de brasilidade, irmandade e outras sonoridades. Ou São Paulo desarma a União e arma-se a si próprio, de modo a dirigir doravante a política nacional a seu talento e em seu proveito, ou separa-se.”

A declaração do escritor Monteiro Lobato, contida no texto “A defesa da vitória de São Paulo”, ilustra o sentimento que incendiava os corações de boa parte dos líderes da revolta. Para estes, só havia dois caminhos a seguir: hegemonia ou separação.

Os separatistas desejavam a independência de São Paulo como uma república soberana, ou a formação de uma federação onde os estados adquiririam a soberania (confederação). Monteiro Lobato não podia ser mais claro na definição do movimento: “Trata-se de uma guerra de independência disfarçada em guerra constitucionalista”.

Para o também escritor Mário de Andrade, o lema “Tudo por São Paulo”, estampado por toda parte, de automóveis a quepes dos soldados, era a única unanimidade daqueles tempos.

Tempos depois, amargurado com a derrota de seu estado, Andrade escreveria ao poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade:

“No momento, eu faria tudo, daria tudo para São Paulo se separar do Brasil.”

1932 - 1932

Em três meses, a derrota

São Paulo em Armas

Sem o apoio de Minas Gerais e Rio Grande do Sul, São Paulo viu-se obrigado a enfrentar 18 estados da federação. Com o porto de Santos bloqueado pela Marinha, o estado sobrevivia economicamente das contribuições em ouro de seus cidadãos. As tropas de Getúlio, mais numerosas e mais bem equipadas, avançavam sobre o interior paulista e ameaçavam ocupar a capital.

Campinas e outras cidades foram bombardeadas pelos aviões do governo federal, que serviam também para despejar folhetos de propaganda sobre locais onde se concentravam tropas rebeldes.

O fechamento das fronteiras impedia a aquisição de armamentos no exterior. Um navio que trazia armas dos Estados Unidos foi apreendido pela Marinha. Os engenheiros da Escola Politécnica do estado e do Instituto de Pesquisas Tecnológicas passaram então a desenvolver armamentos que seriam produzidos no próprio estado para suprir as tropas.

Uma das armas mais sofisticadas produzidas pela indústria paulista foi o trem blindado, usado na campanha militar no Vale do Paraíba. Devido à falta de munição, os paulistas inventaram e passaram a usar um aparelho que imitava o som das metralhadoras, chamado de “matraca”.

Após três meses de combate, a revolta de São Paulo foi esmagada. As tropas da Força Pública estadual foram as primeiras a se render, no final de setembro. A capitulação final dos rebeldes deu-se em 2 de outubro de 1932, na cidade de Cruzeiro.

Do lado revoltoso, as baixas são estimadas em mais de mil mortos. No mausoléu situado sob o obelisco do Ibirapuera estão guardadas as cinzas de 713 ex-combatentes, além dos cinco estudantes mortos cujo assassinato foi o estopim do conflito. O número oficial de mortos do lado federal nunca foi revelado.

Apesar da derrota, os paulistas consideram ter obtido uma vitória moral: em 3 de maio de 1933, menos de um ano após o fim da revolta, foram realizadas as tão sonhadas eleições para a Assembleia Nacional Constituinte — fruto do Código Eleitoral aprovado por Getúlio em 1932. Pela primeira vez, as mulheres puderam votar em eleições nacionais.

Em julho de 1934, a nova Constituição foi promulgada, e Getúlio, eleito presidente da República pelo Congresso Nacional para um mandato de quatro anos.