1976 6 de dezembro

Jango morre no exílio argentino

Bandeira da anistia cobre caixão do ex-presidente deposto

Morre na cidade de Mercedes, na Argentina, João Belchior Marques Goulart, último presidente constitucional do Brasil, deposto pelo golpe militar de 1º de abril de 1964. Foi o único ex-presidente brasileiro a morrer no exílio. O período de cassação dos direitos políticos de Jango havia terminado em abril de 1976, mas a ditadura não permitiu o seu retorno. Recusou-se a emitir para ele um passaporte brasileiro.

Oficialmente, Jango teria morrido vítima de um infarto, mas ainda hoje se investiga a hipótese de que tenha sido envenenado no âmbito de um complô para a eliminação de líderes democratas na América Latina. A morte ocorreu menos de quatro meses depois do acidente que matou o ex-presidente Juscelino Kubitschek – também cassado e perseguido pela ditadura.

Para evitar a repetição das grandes manifestações populares em homenagem a JK, o governo transformou o funeral de Goulart numa operação de guerra. O general presidente Ernesto Geisel só autorizou o enterro em São Borja (RS), cidade natal de Jango, com a condição de que não houvesse nem cortejo nem velório. Militares de três unidades do Exército ocuparam a pequena cidade gaúcha.

O carro com o caixão de Jango foi barrado por militares do 3° Exército ao chegar a Uruguaiana, na fronteira com a Argentina. Quando a passagem foi liberada, a Polícia Federal exigiu que o carro seguisse em alta velocidade, sem parar para as milhares de pessoas postadas à margem da rodovia. Contrariando as ordens, o caixão foi levado à igreja de São Borja, onde centenas de pessoas o aguardavam.

Cerca de 10 mil militares cercavam o local, de acordo com o então deputado Pedro Simon (MDB-RS), e cerca de 30 mil pessoas tomavam as ruas. Dentro da igreja, Denise Goulart lançou sobre o caixão do pai uma bandeira com a palavra Anistia. Para apressar o enterro, soldados do Exército levaram o caixão para fora, mas populares o retomaram e o levaram em cortejo até o cemitério. À beira do túmulo, Pedro Simon e o líder do MDB, Tancredo Neves, discursaram.

As suspeitas de que Jango teria sido assassinado foram reforçadas em janeiro de 2008 pelo depoimento de um ex-agente da repressão uruguaia. Segundo ele, os remédios que o ex-presidente tomava tinham sido intencionalmente trocados por pessoas a serviço da ditadura. Um ano depois foram revelados documentos secretos do SNI brasileiro, dando conta de que havia um agente infiltrado na fazenda em Mercedes. Jango teria sido um dos alvos da Operação Condor, a organização secreta de repressão das ditaduras latino-americanas que atuou na década de 1970. Uma investigação foi aberta pela Justiça argentina em dezembro de 2011.

Em novembro de 2013, por determinação da Comissão Nacional da Verdade do Brasil, o corpo do ex-presidente foi exumado e trasladado até Brasília para ser examinado. Desde então, as circunstâncias da morte estão sob investigação. Os restos mortais de João Goulart foram recebidos com honras de chefe de Estado na Base Aérea de Brasília, o mesmo local de onde Jango tinha partido após o golpe de 1964. A presidenta Dilma Rousseff e os ex-presidentes José Sarney, Fernando Collor e Luiz Inácio Lula da Silva participaram da cerimônia. Em dezembro de 2013, o Congresso Nacional já havia anulado a sessão de 1º de abril de 1964 e devolvera simbolicamente o mandato do ex-presidente deposto.