1954 25 de agosto

'Mataram Getúlio!' — e o povo sai às ruas

Enfurecidas, multidões em todo o país investem contra as forças oposicionistas

Logo após a notícia do suicídio do presidente Getúlio Vargas, multidões saem às ruas, enfurecidas, abortando qualquer hipótese de intervenção — muito embora o dispositivo militar montado para obrigar Getúlio a renunciar continuasse armado.

Populares ocuparam ruas e praças em todo o país e atacaram sedes de partidos de oposição — principalmente da UDN —, jornais alinhados ao udenismo e quartéis.

E não se esqueceram do maior inimigo do líder morto: Carlos Lacerda. Caçado nas ruas do Rio, ele se refugiou na embaixada dos Estados Unidos. Quando esta foi atacada, ele fugiu num helicóptero militar para o cruzador “Barroso”, ancorado na baía da Guanabara.

“Mataram Getúlio! Mataram Getúlio!”, gritavam os populares nas inúmeras manifestações que se seguiram à notícia do suicídio do presidente.

No Rio, São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte e capitais do Nordeste, a multidão mostrava a cara e manifestava profunda revolta com o desfecho trágico da dura campanha oposicionista contra Vargas. O Exército interviria em várias cidades.

Rio de Janeiro
No Rio, armados de paus e pedras, populares percorreram o centro da cidade destruindo material de propaganda da oposição. Só o jornal “Ultima Hora” pôde ir para as bancas, pois os manifestantes incendiaram carros e exemplares de “O Globo” e da “Tribuna de Imprensa”, que tiveram grande atuação na campanha sem trégua que levara Getúlio Vargas ao suicídio.

Mesmo com o centro da cidade ocupado por forças do Exército e da polícia, multidões apedrejaram jornais, emissoras de rádio e sedes de partidos oposicionistas. Não pouparam os prédios da embaixada dos Estados Unidos e de empresas norte-americanas, como Standart Oil, Light & Power, Companhia Telefônica e Helena Rubinstein.

Na entrada do palácio do Catete, cidadãos comuns esperavam a vez na enorme fila para ver o corpo do presidente. A visitação entraria pela madrugada e registraria cenas de desespero: desmaios, ataques de choro e crises nervosas. Calcula-se que mais de um milhão de pessoas tentaram chegar ao velório, mas apenas 67 mil conseguiram ver de perto o corpo do líder.

Na manhã do dia 25, uma enorme multidão seguiria o caixão até o aeroporto Santos Dumont, de onde um avião o levaria para São Borja, no Rio Grande do Sul. Barrada na entrada do aeroporto, a população se concentraria diante do quartel da 3ª Zona Aérea.

Só depois que o avião levantou voo, a multidão perceberia que estava em frente a um edifício da Aeronáutica, que nas semanas anteriores havia mantido o presidente sob intensa pressão, no que foi chamado de "República do Galeão".

Foi então que milhares de pessoas avançaram em direção ao quartel. Oficiais da Aeronáutica dispararam contra a população desarmada, afugentando os manifestantes, que se reagruparam no centro da cidade e, com a adesão de milhares de populares, sacudiriam a capital federal por mais um dia.

Porto Alegre
Desde as primeiras notícias sobre o suicídio do presidente Getúlio Vargas, populares se concentraram no Comitê Central Pró-Candidatura Leonel Brizola, da ala esquerda do PTB, em busca de informações. De lá, saíram às ruas carregando fotos de Getúlio e bandeiras nacionais tarjadas de preto, em sinal de luto.

Os primeiros alvos da multidão foram as sedes dos principais partidos de oposição: a UDN, a Frente Democrática, a Frente Popular, o Partido Socialista, o Partido Social Progressista (PSP) e o Partido Republicano (PR). Os prédios foram depredados e incendiados.

Furiosa, a multidão também investiria contra “O Estado do Rio Grande”, jornal ligado ao Partido Libertador (PL), as oficinas do “Diario de Notícias”, dos Diários Associados, e os prédios onde ficavam as rádios Farroupilha e Difusora.

O governador do Rio Grande do Sul, general Ernesto Dorneles, primo de Getúlio, só ao final da tarde solicitaria auxílio do Exército para conter os manifestantes. Os distúrbios na capital gaúcha terminaram com o saldo de dois mortos e dezenas de feridos.

São Paulo
Ao meio dia, os sindicatos já estavam lotados de trabalhadores que esperavam o início dos protestos que marcariam o dia do suicídio de Getúlio Vargas. Às 13 horas, começou a passeata, saindo dos sindicatos dos metalúrgicos e dos têxteis e dos diretórios do PTB em direção ao centro da cidade.

No caminho, lideranças sindicais acalmavam os manifestantes mais exaltados e evitavam depredações, sob o argumento de que isso apenas serviria aos inimigos de Getúlio. Na sede do PTB, realizaram um comício. Na Praça da Sé, outro grupo de trabalhadores participava do comício convocado pelo PCB e pelo PTB, mas foi dispersado pela polícia.

O PCB, que na véspera engrossava o coro de ataques contra Getúlio, seria pego de surpresa pela reação popular e se somaria a ela, juntando-se aos trabalhadores que se manifestavam pela cidade. Tentou, mas não conseguiu assumir o controle do movimento: os operários estavam no comando.

Na Zona Leste, onde comunistas se misturaram à multidão para levantar palavras de ordem, quem deu a voz de comando foi uma operária, que faria de sua anágua preta um estandarte de luto e gritaria, em frente à multidão: “Mataram Getúlio! Mataram Getúlio! Morreu nosso pai!”

A passeata começou, então, sem que qualquer liderança conseguisse conter a multidão entristecida.

Belo Horizonte
Na capital mineira, operários da indústria e da construção civil deixaram o trabalho e se concentraram no centro da cidade. Pouco depois, um grupo destruiu a sede do Instituto Brasil-Estados Unidos, enquanto outro invadiu o prédio do consulado norte-americano, quebrando móveis e danificando arquivos.

Manifestantes tentaram depredar o prédio do “Correio da Manhã”, jornal udenista, mas foram impedidos pela polícia. Os confrontos se sucederam durante o dia, na cidade ocupada pela Polícia do Exército, fortemente armada. O comércio fechou as portas e os bondes pararam.

De noite, as manifestações produziram sua única baixa: um vendedor ambulante foi atingido por uma bala disparada por um policial que havia sido ferido com pedradas dos manifestantes.

Nordeste
Na primeira manifestação ocorrida na Bahia, populares incendiaram o palanque onde a oposição pedira a renúncia de Vargas na semana anterior.

À noite, Salvador assistiu à “passeata do silêncio”: partindo da praça da Sé, milhares de pessoas marcharam com velas pelas principais ruas da cidade até a sede do PTB, rezando pelo presidente morto.

Em Recife, milhares de pessoas foram às ruas para obter notícias. Confirmada a morte de Getúlio, continuaram andando pela cidade ao som das rádios, que passaram a tocar marchas fúnebres. O comício marcado pelo antigetulista Clube da Lanterna foi cancelado. Tropas militares, em alerta máximo durante todo o dia, impediram agrupamentos de pessoas.

Em Natal, o comércio fechou as portas, as escolas suspenderam as aulas, e as tropas entraram em prontidão.

Em Teresina, o Exército impediu qualquer tipo de manifestação nas ruas.

Em Aracaju, ocupada por militares, manifestantes ainda tentaram depredar a casa do chefe local da UDN. Apesar de reprimidos, conseguiram destruir uma emissora de rádio.