1962 1º de maio

O parlamentarismo agora é um estorvo

Regime implantado às pressas gera impasses e desagrada até aos militares

O presidente João Goulart defende o fim do parlamentarismo, como forma de viabilizar a aprovação imediata das chamadas Reformas de Base — agrária, urbana e bancária. Do alto do palanque erguido em Volta Redonda, no estado do Rio de Janeiro, para as festividades de 1º de maio, Jango conclama a multidão a uma “atitude mais enérgica” em defesa das reformas.

Estava dada a largada para a campanha contra o sistema de governo implantado oito meses antes como saída negociada com os militares para empossar Jango na Presidência, após a renúncia de Jânio Quadros.

A outra opção, defendida pelo governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola — que havia liderado a Campanha da Legalidade e se propusera a marchar até Brasília com o 3º Exército —, era garantir a posse de Jango sob o sistema presidencialista vigente, para que ele fosse "algo mais que uma rainha da Inglaterra", como dizia.

A investida de Jango instalou a crise do regime. No discurso, ele se declarou disposto a recuperar seus plenos poderes presidenciais. Diante dessa posição, o gabinete liderado por Tancredo Neves não teve mais condições de se manter no poder e seria desfeito no dia 26 de junho.

Para substituir Tancredo Neves, San Tiago Dantas, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), viu seu nome tornar-se o mais cogitado. Lembrado pelas esquerdas por ter defendido a política externa de Jânio Quadros e a autodeterminação de Cuba na OEA, tinha o apoio dos trabalhadores, intelectuais e estudantes e era um dos principais nomes do partido.

Ainda no mês de junho, o Pacto de Unidade e Ação (PUA) — organização intersindical que reunia marítimos, ferroviários, portuários e estivadores — reunir-se-iam nas escadarias do palácio Tiradentes, no Rio de Janeiro, para defender a nomeação de San Tiago Dantas. Diante dessa e de outras mobilizações, João Goulart indicaria Dantas ao Congresso Nacional para assumir a chefia do governo.

Nos bastidores, porém, San Tiago Dantas trabalhava contra sua própria indicação: prezando a democracia e a negociação política, sabia que, caso assumisse o gabinete, acabaria contribuindo para sua manutenção, o que desagradaria às forças populares que defendiam sua nomeação.

Na ocasião, Dantas concedeu uma entrevista às redes de televisão e rádio, deixando clara a sua posição: “Temos que realizar em nosso país, como em todos os países subdesenvolvidos que têm nossas características políticas, uma autêntica revolução democrática. Esta revolução é que nos salvará de uma revolução extremista e antidemocrática”.

Seu nome acabaria vetado pela UDN e pelo PSD no Congresso. Jango então indicaria para o cargo o conservador Auro de Moura Andrade, então presidente do Senado. Tão logo o nome foi aceito pelo Congresso, as forças sindicais declararam greve geral no dia 5 de julho, levando Moura Andrade à renúncia.

Naquele momento, quando o regime parlamentarista já se desgastava, Jango resolveria a sucessão no gabinete indicando Francisco de Paula Brochado da Rocha, ex-secretário do Interior e Justiça do governo gaúcho de Leonel Brizola. Com o nome foi aceito pelo Congresso em 10 de julho, o novo ministério pôde, enfim, ser empossado. Brochado da Rocha, porém, era um político do círculo de Brizola e estava disposto a acabar com o próprio regime que comandaria.

Ironicamente, partiria da área militar o ultimato para antecipação da consulta popular. O marechal Henrique Teixeira Lott, em entrevista, protestaria contra a instabilidade a que o parlamentarismo submetia o país. Em seguida, os ministros militares fariam conjuntamente uma declaração de apoio à antecipação do plebiscito.

Quando a proposta foi enviada ao Congresso, em seu favor se manifestariam os comandantes do 1º, 2º e 3º Exércitos. Sob pressão militar e popular — o Comando Geral dos Trabalhadores logo convocaria uma greve geral pela antecipação do plebiscito —, o Congresso aprovaria a emenda.

Em janeiro do ano seguinte, 11,5 milhões de eleitores iriam às urnas — e 9,5 milhões votariam “não”, exigindo a volta do presidencialismo.