Com uma Coca-Cola na mão, pracinha da FEB é entrevistado no porto do Rio de Janeiro (Foto: Iconographia)

Tio Sam Invade o Brasil

Desde 1933, quando os nazistas chegaram ao poder, a influência da Alemanha na América Latina vinha crescendo. Alguns países, como o Brasil, abrigavam núcleos de colonização germânica. Outros, como a Argentina — além do próprio Brasil —, haviam assinado com a Alemanha acordos de cooperação que previam o fornecimento de matérias-primas e o recebimento de treinamento militar e material bélico.

O governo dos Estados Unidos, preocupado com essa situação, resolveu contra-atacar mesmo antes de declarar guerra à Alemanha: lançou, em toda a América Latina, uma maciça ofensiva nas áreas econômica, política e cultural. E o Brasil, por sua importância estratégica e riquezas naturais, tornou-se um dos alvos principais do presidente Franklin Roosevelt.

Os objetivos não poderiam ser mais claros: promover a cooperação interamericana, enfrentar o Eixo, consolidar os Estados Unidos como grande potência e conquistar a simpatia dos latino-americanos para o chamado “american way of life”. Era a chamada “política da boa vizinhança”.

Capa da revista “Seleções” nº 4, de maio de 1942 (Imagem: Iconographia)
Anúncio em página interna de “Seleções” nº4, maio de 1942: “pela liberdade da América” (Imagem: Iconographia)

Como parte dessa política, vários artistas norte-americanos desembarcaram no Brasil no início da década de 1940, trazidos pelo Escritório do Coordenador para Assuntos Interamericanos (OCIAA) e sob o patrocínio do governo dos Estados Unidos. Entre eles, estavam os cineastas Walt Disney, John Ford e Orson Welles, os atores Tyrone Power, Douglas Fairbanks Jr. e Lana Turner, a fotógrafa Genevieve Naylor e o artista plástico Jo Davidson. Atendendo à convocação de seu governo, eles atuaram como verdadeiros embaixadores da diplomacia cultural.

Em contrapartida, para divulgar o Brasil nos Estados Unidos foi escolhida a cantora Cármen Miranda — além, é claro, do papagaio Zé Carioca, criado por Walt Disney.

Getúlio recebe o cineasta americano John Ford (de óculos escuros) no palácio do Catete, em 20 de maio de 1943 (Foto: Iconographia)
Walt Disney filmando na praia de Copacabana, 1941(Foto: Life/Reprodução)

WALT DISNEY

O desenhista e diretor chegou ao Brasil em agosto de 1941, acompanhado de sua mulher e vários funcionários do estúdio. Durante os 15 dias que passou no Rio de Janeiro, teve encontros com Lourival Fontes, diretor do DIP, e com o próprio presidente da República.

No ano seguinte, seu desenho animado “Alô, Amigos!”, o primeiro voltado para a América Latina, foi lançado, levando essa porção do continente — com destaque para Brasil e Argentina — ao público norte-americano. Foi nesse filme — que mostra passagens na Bolívia, no Chile, na Colômbia, no Peru e na Venezuela — que surgiu o Zé Carioca, personagem brasileiro que apresenta ao Pato Donald o samba, a cachaça e o Rio de Janeiro. Completam a participação brasileira as canções “Aquarela do Brasil”, de Ari Barroso, cantada por Aluísio de Oliveira e Cármen Miranda, e “Tico-tico no Fubá”, de Zequinha de Abreu.

Walt Disney (de bigode) é recebido por Getúlio Vargas no palácio do Catete, em 4 de setembro de 1941 (Foto: Iconographia)

Em 1945, Disney lançou seu segundo filme dentro da política da boa vizinhança: “Você Já Foi à Bahia?”. Nessa animação, em que o Pato Donald e o Pateta são apresentados à América Latina pelo Zé Carioca e pelo mexicano Panchito, Aurora Miranda canta “Os Quindins de Iaiá”, de Ari Barroso.

Nos dois filmes, predomina uma visão estereotipada do povo brasileiro e de seu país.

Orson Welles encontra-se com Lourival Fontes, diretor do DIP, no Rio de Janeiro, em 10 de fevereiro de 1942 (Foto: Iconographia)

ORSON WELLES

O ator e cineasta Orson Welles chegou ao Brasil em fevereiro de 1942 com uma pequena equipe, para filmar o documentário “É Tudo Verdade”. O roteiro previa mostrar: o Carnaval no Rio e sua relação com o candomblé; a Semana Santa em Minas Gerais; e a história de quatro jangadeiros cearenses que navegaram até a capital federal (cerca de mil milhas marítimas) para reivindicar direitos previdenciários e trabalhistas ao presidente Vargas.

Deu tudo errado. O governo dos Estados Unidos desconfiou que Welles queria relacionar a cultura brasileira à dos negros norte-americanos. O DIP também não gostou de saber que o diretor filmaria a saga dos jangadeiros cearenses e acusou o líder destes, Manuel Olímpio (conhecido como “Jacaré”), de ser comunista. Para piorar, “Jacaré” morreu num acidente durante as filmagens. Welles também desagradou ao DIP por filmar favelas cariocas e manifestações culturais de seus moradores, como o samba e o candomblé, em vez de se fixar no roteiro turístico das belezas naturais da cidade. Os rolos de película acabaram confiscados pelo OCIAA, e o filme nunca ficou pronto.

Orson Welles (sentado) filma “É Tudo Verdade” em Fortaleza (Foto: Chico Albuquerque/Reprodução).

GENEVIEVE NAYLOR

A fotógrafa chegou ao Brasil em 1940 com a missão de registrar imagens do país e depois apresentá-las a seus conterrâneos. Sua exposição “Faces and Places in Brazil” estreou em 1943 no Museu de Arte Moderna de Nova York e depois rodou pelas principais cidades dos Estados Unidos. As fotografias foram agrupadas sob os títulos: “Escolares”, “O Rio São Francisco”, “Festivais Religiosos”, “Tipos do Interior” , “Rio de Janeiro”, “Copacabana” e “Carnaval”.

Credencial de Genevieve Naylor expedida pelo diretor do DIP (Foto: Reprodução)
Soldados agarrados ao bonde, no Rio de Janeiro (Foto: Genevieve Naylor/Reprodução)
Estivadores do Rio (Foto: Genevieve Naylor/Reprodução)
Romeiros em Congonhas, Minas Gerais (Foto: Genevieve Naylor/Reprodução)

CARMEM MIRANDA

Maria do Carmo Miranda da Cunha, a Cármen Miranda, nasceu em Portugal, mas foi criada no Rio de Janeiro. Primeira cantora popular de sucesso do Brasil, caiu no gosto do público com a marchinha “Pra Você Gostar de Mim (Taí)”, de Joubert de Carvalho, lançada em 1930. Depois disso, foi um sucesso após o outro. Cármen começou no cinema nacional atuando em musicais, como “Alô, Alô, Brasil”, seguido por “Alô, Alô, Carnaval”, “Estudantes” e “Banana da Terra”

A cantora Cármen Miranda (Foto: Iconographia)
Cartaz do filme “Aquarela do Brasil”, 1942 (Foto: Reprodução)