Intérpretes do Brasil

Maria Isaura Pereira de Queiroz

(Foto: Conteúdo Estadão AE)

Ao contrário do que pensavam os países colonialistas e seus diferentes governos, determinadas comunidades messiânicas poderiam constituir — e constituem — um ponto intermediário que torna menos violentos os choques determinados pelas modificações socioculturais. No entanto, os germes de nacionalismo e de subversão da ordem que encerram, fizeram com que fossem constantemente classificados como nocivos e guerreados sem quartel. É que países colonialistas e governos nem sempre têm em mente a melhoria das condições de vida das populações, e sim, muito mais, a defesa de suas posições sociais respectivas.
“O Messianismo no Brasil e no Mundo”, 1965

Maria Isaura em 1963, defendendo sua tese de livre-docência em sociologia na Universidade de São Paulo. (Foto: Conteúdo Estadão AE)
 

Com seu olhar atento à vida rural, a socióloga Maria Isaura Pereira de Queiroz dedicou-se a desvendar o que chamava de “enigma brasileiro”: a lógica específica de nossa cultura e organização social. Suas principais reflexões, publicadas entre as décadas de 1950 e 1980, revelam um Brasil habitado por beatos, posseiros, coronéis, camponeses, cangaceiros e benzedeiras.

Autora traduzida em vários idiomas, Maria Isaura dedicou-se à sociologia rural, da religião e da cultura brasileira, tangenciando também a antropologia e a sociologia política. Sua tese de doutorado, "Guerra santa no Brasil: o movimento messiânico do Contestado”, foi orientada por Roger Bastide na Universidade de Paris e defendida em 1957. Em 1958, publicou "Sociologia e Folclore: a Dança de São Gonçalo num Povoado baiano". Entre os anos 1950 e 1960, Maria Isaura escreveu vários artigos sobre a configuração política do interior do país. Em 1963 tornou-se livre-docente da Universidade de São Paulo (USP) com a tese "O messianismo no Brasil e no mundo", que resultou num livro laureado, em 1966, com o Prêmio Jabuti de Ciências Sociais.

Paulistana de família tradicional, Maria Isaura nasceu em 1918. Licenciou-se em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo — era uma das poucas mulheres estudantes da instituição — em 1949, tendo sido aluna de professores franceses como Bastide e Claude Lévi-Strauss. Professora do Departamento de Sociologia da USP desde 1951, tornou-se, em 1990, professora emérita daquela instituição, onde desenvolveu toda a sua carreira acadêmica.

Em seu esforço de compreensão da realidade interiorana, Maria Isaura estudou a religiosidade popular, o folclore, os movimentos messiânicos e o mandonismo político, concluindo que é a partir da religiosidade e do messianismo que o povo simples do interior enfrenta ou é subordinado pelo poder local. Nesse sentido, apresenta Antônio Conselheiro, líder da Revolta de Canudos, não como um louco, como se difundia na época, mas como aquele que anunciava um mundo melhor.

Maria Isaura combateu a visão estática do sertão e a ideia de que o voto de cabresto era a regra no Brasil, demonstrando que a dinâmica política própria do interior incluía a barganha, os favores e as relações de parentela, num jogo em que os mais pobres tinham papel ativo e podiam melhorar de vida. Para compreender essas nuances da sociedade brasileira, diz ela, o sociólogo não pode ter como referência a sociedade moderna e organizada em moldes europeus.

 

Principal obra 

O Messianismo no Brasil e no Mundo, 1965.

O messianismo no Brasil e no mundo, de Maria Isaura Pereira de Queiroz